ANTIGAS PLANTAS, MODERNAS DROGAS
Intrigados com os fenômenos do pensamento e da consciência,
os povos da antiguidade formulavam curiosas teorias a fim de explicá-los.
Algumas atribuíam a consciência ao coração, outras viam no fígado a sede da razão,
e outras ainda inocentavam o organismo, responsabilizando deuses diversos por
todos os comportamentos humanos. Depois, com o desenvolvimento da ciência,
essas antigas concepções foram pouco a pouco afastadas. E as funções antes
atribuídas a diferentes fontes por fim passaram a ser creditadas a quem de
direito: o cérebro.
Verificou-se que a atividade cerebral é essencialmente
elétrica: com a energia extraída da glicose existente na corrente sanguínea, as
células dos tecidos cerebrais – chamadas neurônios – realizam uma infinidade de
processos metabólicos e o produto final desse metabolismo intenso se traduz sob
a forma da razão, consciência e percepção em geral. O cérebro é irrigado por vasos
sanguíneos que lhe fornecem continuamente os “combustíveis” consumidos por suas
células – glicose e oxigênio. Normalmente, outras substâncias não chegam até os
tecidos cerebrais: uma espécie da barreira fisiológica impede a passagem de
produtos que não sejam os “combustíveis” habituais do órgão. Algumas
substâncias, entretanto, vencem essa barreira e intervêm nos processos
metabólicos dos neurônios, alterando o funcionamento do cérebro. Essas
substâncias são chamadas psicotrópicos. E, por afetarem o comportamento humano,
constituem hoje um campo de pesquisa intensiva da ciência médica.
É recente a descoberta da maneira pela qual atuam os
psicotrópicos. Mas o uso de substâncias capazes de estimular o funcionamento
orgânico vem de longe. Ao que parece, já os caçadores do Período Paleolítico
mascavam “cogumelos mágicos”, que lhes mantinham a energia durante longas
jornadas. Um desses vegetais seria a amanita
mata-moscas, encontrada em certos pontos da *Eurásia, que os siberianos
ingerem em busca de sensações alucinógenas. Segundo os cientistas que estudaram
esse hábito, a reação causada pela amanita
assume o aspecto de um violento transe: o indivíduo é tomado por um intenso
delírio – dança, uiva e canta, sofre crises de riso e cólera e depois cai em
profunda letargia, que só termina muitas horas mais tarde.
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| Cogumelo amanita mata-moscas |
A análise química da amanita
revelou que sua ação estupefaciente se deve a alguns dos seus componentes,
pertencente ao ramo dos alcaloides e que apresentam propriedades semelhantes às
da psilocibina. Esta é um produto
encontrado nos cogumelos que os indígenas da América Central conhecem e utilizam:
os psilocibos alucinógenos. A
descoberta do efeito estimulante desses cogumelos pelos nativos americanos
provavelmente remonta a épocas bem distantes, pois se encontraram na Guatemala
antigas figuras de pedra esculpidas em formas muito parecidas com as dos
psilocibos. Outro elemento indicativo de que os nativos daquela área conhecem
as virtudes desses cogumelos há muito tempo são as estranhas figuras que
simbolizam as divindades da antiga América. Provavelmente, os artistas que as
talharam e desenharam conservaram a lembrança desses seres fabulosos que lhes
teriam surgido durante esses transes alucinógenos.
Cada povo com seu uso
Na região correspondente ao atual Haiti, segundo (Cristóvão)
Colombo, os indígenas ‘sorviam pelo nariz, mediante um tubo, certo pó fino,
parecido com a canela'. Mais tarde verificou-se que os nativos haitianos não
eram os únicos: em vários pontos do Brasil, do Chile e da Argentina, era
bastante comum o hábito de aspirar o pó obtido das sementes de paricá e do cevil (que são propriedades de uma planta chamada piptadenia).
Piptadenia gonoacantha
Já os povos indígenas dos atuais Peru, Equador, Bolívia,
Colômbia e Venezuela, embora também apreciassem as sensações de embriaguez, não
despendiam muito esforço para consegui-la: limitavam-se a colher as folhas do
arbusto da coca, planta comum naquela
parte do continente sul-americano. E mascando essas folhas obtinham variados
graus de torpor e bem-estar, que os ajudavam a suportar o trabalho e o cansaço
motivado pelas grandes altitudes. Em 1912, um cientista europeu chamado
Reimburg submeteu-se a experiências com uma droga usada por várias tribos da
Região Amazônica. Preparada com o caule de um cipó conhecido como “ayahuasca”, a infusão aproveitava as propriedades
estimulantes das folhas de uma outra planta – a yaje – e era fervida durante várias horas. Segundo Reimburg, “o
líquido tinha um sabor acre e nauseabundo” mas, em compensação, fazia com que “a
visão se tornasse nítida, muito nítida” e também “originava uma super excitação
da inteligência”.
Erythroxylum coca, mais conhecida como folha de coca
Ensaio de Aleister Crowley sobre a cocaína. Lançada em 1973, 23 após a sua morte
A obtenção de transes alucinógenos associados a rituais
místico-religiosos constituía o uso mais comum dado às “plantas mágicas” pelos
povos dos continentes americanos. Entretanto, houve civilizações como as dos
maias e incas que encontraram finalidades médicas específicas para alguns
vegetais alucinógenos. Isso aconteceu, por exemplo, com o floripondio, do qual os maias aprenderam a extrair um poderoso
anestésico, que era empregado em diferentes intervenções cirúrgicas, inclusive
a ‘trepanação craniana’. Sob o efeito dessa droga, o paciente atingia um estado
próximo ao do coma, embora vivendo prodigiosas alucinações e delírios.
Ayahuasca, bebida 'enteógena' (substância alteradora da consciência que induz ao estado xamânico ou de êxtase) produzida a partir da combinação da videira Banisteriopsis caapi com várias plantas, em particular a Psychotris viridis (os cipós entrelaçados) e a Dyplopteris cabrerana (as folhas em volta), que aparecem na foto acima.
Trepanação
Ilustração de uma trepanação inca
Dentro da medicina moderna, a trepanação consiste
na abertura de um ou mais buracos no crânio, através de uma broca
neurocirúrgica.
Na
antiguidade a trepanação era muito utilizada em hospícios ou clinicas para
doentes mentais. A técnica era feita por cirurgiões os quais acreditavam que
com a trepanação os demônios e espíritos malignos iriam sair do corpo, mesmo
que causando morte muitas vezes. Quando realizada de forma única, a trepanação
serve para se criar uma abertura por onde se pode drenar um hematoma intracraniano
ou se inserir um cateter cerebral.
Em uma craniotomia, várias trepanações são feitas para
se criar os vértices de um polígono ósseo que será retirado do crânio. Com o
auxílio de uma serra neurocirúrgica, uma linha ligando cada vértice é serrada e
o polígono (flap) ósseo do crânio é retirado, liberando o neurocirurgião
para abordar a massa encefálica. A cultura da trepanação esteve presente desde
o tempo dos Mesolítico e há cadáveres com sinais de trepanação em
praticamente todas as antigas civilizações do mundo. Encontram-se expostos no
Museu Geológico, em Lisboa, crânios mesolíticos com sinais de trepanação e com
um pequeno sol desenhado em redor do orifício sugerindo uma prática ritual.
Desenho de uma trepanação (1517)
Tal
como as sangrias, a trepanação era um procedimento médico muito realizado, com
o objetivo de eliminar os maus espíritos e demônios do paciente, mas sem nenhum
significado terapêutico prático, funcionando apenas como placebo.
A sobrevivência ao procedimento nos séculos antes da Idade Média era
de aproximadamente 70%, mas durante os séculos XIV a XVIII caiu praticamente a
zero, devido ao pouco cuidado dos realizadores de tal prática, que acabavam
perfurando as meninges do paciente e causando uma hemorragia incontrolável.
Há relatos de cirurgias desse porte no Egito e na Mesopotâmia, nas quais o
paciente era dopado com uma bebida alcoólica e depois tinha seu crânio aberto
por um instrumento pontiagudo.
Antigos
curandeiros maias também praticavam furos manuais nas cabeças de pacientes mortos
recentemente para aperfeiçoar suas habilidades de trepanação cirúrgica
Instrumentos de
Trepanação do Século XVIII; Museu Nacional Germânico de Nuremberg
Drogas de cura que imitam a loucura
A investigação dos componentes químicos das ‘plantas mágicas’ levou os
cientistas à síntese de uma série de drogas de propriedades psicotrópicas. As
primeiras a surgir foram os chamados hipnóticos ou soníferos. Depois, vieram os
tranquilizantes, os
antialérgicos e os relaxantes. Além desses, existem agora os neurolíticos,
destinados ao tratamento de problemas mentais de grande gravidade.
O moderno
arsenal terapêutico dos psiquiatras e neurologistas abrange também as drogas do
grupo psicanalítico, que as dividem em psicotônicas e antidepressivas. As
primeiras estimulam a concentração mental, elevando o rendimento intelectual do
indivíduo, enquanto as outras o diminuem. Uma série de estudos e experiências
iniciadas em 1943 culminou recentemente com a descoberta de um novo tipo de
psicotrópicos – os compostos conhecidos como psicodiléticos ou alucinógenos –
dos quais o mais famoso é a dietilamida do ácido lisérgico, hoje popularizada
sob o nome de LSD 25.
Extraído da
cravagem do centeio (Claviceps purpurea, um fungo parasita que ataca o cereal), o LSD 25 (ou somente LSD) é um alcaloide
capaz de provocar extraordinárias alucinações, durante os quais o indivíduo
explora um universo muito próximo ao da loucura, povoado de figuras diabólicas,
visões aterrorizantes, personagens imaginários, os quais se apresentam lado a
lado com pessoas e objetos que fazem parte da realidade do paciente, e
participam com estes de situações relacionadas ao mundo real do indivíduo.
Esporão-do-centeio (Claviceps purpurea) em meio ao trigo. Deste fungo se extraem vários alcaloides e substâncias de uso medicinal; é conhecido por ser alucinógeno, e usado para fabricar LSD
Claviceps purpurea, fungo que ataca o centeio
Do fundo da Noite
Albert Hoffmann, químico suíço que, em 1938, sintetizou pela primeira vez o LSD. Em 19 de abril de 1943, ao ingerir 'acidentalmente' uma superdose da substância, descobriria suas propriedades alucinógenas e desta se tonaria entusiasta até falecer; essa data é celebrada como o 'bike day' todos os anos. Considerado o 'pai' do LSD, Albert Hoffmann faleceu na madrugada de 29 de abril de 2008 aos 102 anos após um ataque cardíaco.
O LSD, bem
como a psilocibina e a mescalina (extraída de um cacto mexicano – o mescal),
foram submetidos à legislação de entorpecentes na maioria dos países pois, em todo
o mundo, cientistas de prestígio opinam contra a sua aplicação como elemento
terapêutico. A despeito disso, certas alas de vanguarda defendem com empenho os
psicodisléticos. E explicam o seu efeito: determinando uma extensa estimulação
da memória e dissociando por completo o consciente do inconsciente, essas
drogas permitem que o indivíduo reconsidere o seu passado de forma crítica,
reavaliando o arquivo de recordações e revivendo os conflitos esquecidos.
A memória do
paciente, avivada, deixa vir à tona todo o patrimônio de suas vivências
acumuladas. E a inteligência, não dispondo de nenhuma barreira que a detenha,
pode lançar-se ao exame de problemas passados com plena lucidez,
relacionando-os com as situações conflitivas do presente e estabelecendo as fórmulas
que podem conduzir à sua solução – ou a um impasse. E vale lembrar que o
suicídio ronda tais experiências vanguardistas. Entre as objeções que se fazem
ao LSD 25 e aos produtos similares, destaca-se a de que essas drogas provocam um
agigantamento dos elementos constitutivos da personalidade das pessoas, num
processo praticamente idêntico ao da esquizofrenia. E daí a inquietação de
muitos, que vêem nos alucinógenos um possível fator de desencadeamento de
perturbações mentais em indivíduos normais. Ou seja, um agente causador de ‘loucura
artificial’.
Por
enquanto, permanece a dúvida a respeito dos méritos e perigos dessas novas drogas.
Mas o futuro talvez venha a revelar nos psicodisléticos a fórmula para chegar
aos obscuros núcleos que originam as doenças mentais e recuperar para a vida os
indivíduos que foram bloqueados no fundo de sua própria noite.
* Eurásia é a massa que forma em conjunto a Europa e a Ásia. Composto pelos continentes europeu e asiático, separados pela cordilheira dos Montes Urais, localizado na Rússia. Alguns países como a Rússia e Turquia estão nos dois continentes.
* Eurásia é a massa que forma em conjunto a Europa e a Ásia. Composto pelos continentes europeu e asiático, separados pela cordilheira dos Montes Urais, localizado na Rússia. Alguns países como a Rússia e Turquia estão nos dois continentes.
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"Espíritos
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Fontes de Pesquisa: Enciclopédia Novo Conhecer, Vol. VII. Editora Abril Cultural, 1977
Wikipedia (Texto sobre "Trepanação")
Fotos: Internet
Fotos: Internet



















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