MORCEGO: IMAGEM DO MAL
Por tradição popular, o morcego é uma figura tenebrosa, da
qual se deve manter distância. Bicho de maus costumes, amigo de escuridões,
frequentador de cavernas e outros locais soturnos, parceiro dileto da pior
marginalidade do mundo sobrenatural, companheiro inseparável de bruxas, almas
penadas e assombrações em seu malévolo mister de espalhar o susto e o
desassossego. Muita gente vai ainda além na enumeração de defeitos do morcego,
atribuindo-lhes uma individualidade instável, sujeita a transfigurações durante
as quais ele se converte em vampiro – contumaz beberrão que, para saciar sua sede, não hesita
em atacar os seres incautos e consumir-lhe todo o sangue das veias.
A ciência,
porém, discorda. E os naturalistas garantem que os morcegos – por eles chamados
de quirópteros – na verdade são uns tímidos, que por uma questão de
sensibilidade levam uma vida arredia e excêntrica. Mas nem por isso são
criaturas perversas como as lendas dizem. Até pelo contrário.
A ordem dos
quirópteros compreende centenas de espécie, agrupadas em duas vastas subordens:
a dos megaquirópteros e a dos microquirópteros. De modo geral, os
megaquirópteros são de grande porte e hábitos vegetarianos, enquanto que os
microquirópteros, de menor tamanho, se alimentam de insetos. Mas também há
microquirópteros que são grandes, alimentam-se de sangue (morcegos hematófagos)
ou só comem frutas. Por outro lado, existem megaquirópteros pequeno, que nada
têm de vegetarianos: preferem nutrir-se de insetos.
Uma vida em boa vista
'Pteropus', mais comumente conhecido como "raposa-voadora"
A expressão “cego como um morcego” é muito usada,
mas nem por isso correta. Sem dúvida há morcegos que enxergam pouco, porém não
são todos. Muitos quirópteros são dotados de olhos grandes e eficientes, e sua
vista é tão boa, que eles se orientam exclusivamente através do aparelho
visual. Isso acontece, por exemplo, com o Pteropus edulis, popularmente chamado
de “raposa-voadora”, devido ao formato de suas orelhas. Com 1,60 m de amplitude
de asas, o Pteropus vive nas zonas quentes da Ásia, África e Oceânia, figurando
entre os maiores dentre os membros da família Pteropidae (a única da subordem
dos megaquirópteros).
Outra foto do morcego da espécie 'Pteropus', mais comumente conhecido como "raposa-voadora"
Nome terrível, fama gratuita
Das dez
famílias que integram a subordem dos microquirópteros, nove são encontradas no
Brasil. A dos Rhinolophidae é uma das mais numerosas e inclui o Vampirus spectrum, cuja má fama vem
sendo cantada em prosa e verso durante séculos. Na prática, porém, o Vampyrus spectrum nada faz de espectral.
Animal dos mais pacatos, leva uma vida trabalhosa e prosaica, percorrendo noite
após noite os pomares, em busca de frutas que constituem a sua modesta dieta.
Enquanto isso, um outro quiróptero chamado Desmodus
rotundus, aproveitando-se do fato de ser um ilustre desconhecido, ronda os
currais na calada da noite e ataca bois e vacas, para sugar-lhes o sangue. Além
de ser o verdadeiro vampiro, o Desmodus
é também o agente transmissor de doenças como a peste bovina e a febre aftosa.
Vampyrum spectrum
Desmodus rotundus
Tanto os Vampyrus quanto os Desmodus e as demais espécies de morcego de hoje se distribuem por
todo o mundo (num total de quase 1.000) são descendentes de uma linhagem
zoológica muito antiga, cujas origens remontam à mesma época em que viveram os
pterodáctilos (60 milhões de anos atrás).
As partes da asa
O corpo de
um morcego é recoberto de pelos. Tanto no dorso como no ventre, a pele se
alarga para ambos os lados do corpo, formando uma membrana dupla em cujo
interior se distribui uma rede de nervos e vasos sanguíneos. Sustentada pelos
ossos correspondentes aos dedos dos membros anteriores, essa membrana constitui
as asas do animal.
Na parte
correspondente à borda dianteira de casa asa, entre o ombro e o primeiro dedo,
a membrana alar toma o nome de protopatágio.
Já o setor compreendido entre os dedos é o dactilopatágio. Mais atrás, ligando o quinto dedo com o corpo, fica
o endopatágio. E a extensão que une
os membros posteriores à cauda é o uropatágio.
Segurança de vôo depende de glândulas
A
transpiração intensiva que se realiza através da grande superfície da membrana
alar faz com que o morcego consuma rapidamente as reservas de líquido, de modo
que, para renová-las, o animal é obrigado a beber água com frequência. Para
evitar esse excesso de transpiração, os quirópteros fogem dos lugares secos,
preferindo refugiar-se em locais de umidade acentuada, como grutas, cavidades
de troncos, construções abandonadas, torres e sótãos. E, como medida
complementar de precaução, restringem toda a sua atividade ao período noturno,
quando o ar fica mais úmido e o calor diminui.
Os morcegos
que caçam insetos noturnos, bem como os frugívoros que mantêm regime
vegetariano e ainda os hematófagos, que se nutrem de sangue, são forçados a
percorrer grandes distâncias em busca de alimento, cobrindo-as com seu vôo
flutuante e ziguezagueado. A fim de garantir um bom desempenho nessas
exaustivas jornadas aéreas, os morcegos dispõem de um sistema automático de
manutenção de equipamento de vôo: um conjunto de glândulas situadas entre os
olhos e a narina segrega constantemente uma substância oleosa que recobre a
membrana alar, lubrificando-a e atuando como revestimento protetor. Graças a
esse eficiente sistema, os morcegos conseguem ter asas sempre em forma –
elásticas e flexíveis como é preciso.
Morcego da espécie Rhinolophus ferrumequinum
Aulas de vôo, caça e até natação
Os filhotes
dos morcegos nascem no verão. A maioria dos casais tem filhos únicos; somente
poucas espécies têm dois filhos de cada vez. E os casais com três ou quatro
filhos constituem uma exceção digna de nota.
Plecotus auritus
O leite
materno, entretanto, faz com que os pimpolhos cresçam depressa e logo se
transformem numa carga excessiva. Origina-se então o conflito: embora o filhote
faça tudo para permanecer em sua cômoda posição no regaço materno, acaba tendo
que abandoná-lo. A mãe escolhe um lugar abrigado e ali coloca o morceguinho
que, a partir desse dia, terá que se iniciar nos rigores da vida prática,
tomando aulas de vôo, caça e até natação. A idade adulta demora a chegar: um
morcego só atinge a maturidade aos dois anos. Depois, conforme for a sua
espécie, poderá viver 05 ou 10 anos. E, se tiver sorte, até 20.
Morcego da espécie 'Mossus molossus', da família 'Molossidae', encontrado aqui na América do Sul e na América Central
Os morcegos
são animais de voracidade insaciável. As espécies insetívoras exercem uma
função de grande utilidade, devorando toda a sorte de mariposas e insetos
daninhos, os quais, por viverem à noite, não podem ser perseguidos pelas aves
insetívoras, em sua maior parte diurnas. Já os morcegos frugívoros nada têm de
úteis: com sua dentadura rombuda realizam verdadeira devastação nos pomares,
demonstrando particular predileção pelas melhores frutas de cada árvore.
Conhecem-se algumas espécies que se nutrem do pólen das flores, recolhendo-o
com sua língua delgada e extensível. Esse tipo de morcegos, assim como as
abelhas e outros insetos, contribui para a polinização de certas plantas.
Os morcegos
hematófagos pertencem a uma única espécie – Desmodus
rotundus -, mas nem por isso são poucos. Equipados com aguçadas presas, que
lhes facilitam a sangria dos animais, esses agressivos vampiros costumam –
segundo dizem – atacar até mesmo o próprio homem, quando adormecido. E a vítima
nem percebe porque “o morcego abana a ferida com as asas enquanto suga o
sangue”. No Brasil, existem mais de 100 espécies de morcegos da subordem dos
microquirópteros. Diversos estudos feitos por veterinários informam que os
morcegos causam sérios prejuízos à lavoura e à pecuária, recomendando a
eliminação sistemática desses animais, principalmente nas regiões onde ocorrem
epidemias do gado.
Morcegos Desmodus rotundus bebendo sangue numa tigela
Contudo, não existe entre os brasileiros uma tradição de
guerra aos quirópteros como a que se cultiva em Portugal, onde, ao anoitecer, a
rapaziada do campo se
mune de varas untadas de sebo e lança-se à caça ao morcego, cantando o refrão:
“Morcego, morcego/ vem à vara que tem sebo/ passarinho do Diabo”.
Na foto acima, um morcego da espécie Vampyrum spectrum escondido em uma caverna. Luz solar é coisa que desgosta os morcegos: antes de raiar o dia eles se recolhem aos seus sombrios tugúrios, penduram-se pelos pés a um ramo ou saliência de rocha e, de cabeça para baixo, mergulham num sono profundo. Por estranho que pareça, esse posição lhes é perfeitamente cômoda: o peso dos corpos estica os tendões que controlam os pés, de maneira que os dedos se fecham firmemente sobre o suporte, sem exigir nenhum esforço.
Certos Quirópteros fogem do inverno emigrando para regiões quentes. Mas a maioria o enfrenta, através de um artifício: a hibernação. Durante este sono letárgico, que se estende por meses inteiros, a respiração do morcego se atenua e sua pulsação se torna mais lenta - para economizar as energias do organismo. Nas tocas de hibernação, a necessidade de calor faz os morcegos se aproximarem um dos outros, formando verdadeiros '"cachos" sonolentos, de pernas para o ar, à espera da primavera.
Morcegos da espécie 'raposa-voadora' hibernando
Voar a grande velocidade , em plena escuridão, esquivando-se agilmente de todos os obstáculos que existam pelo caminho, não constitui problema para um morcego.
Intrigado com essa curiosa aptidão dos quiróteros para a navegação aérea, um naturalista italiano do século XVIII - Lázaro Spallanzani - resolveu investigar a questão. Para isso, vendou alguns morcegos e soltou-os num quarto iluminado. E verificou que os animais, apesar de privados da visão, continuaram a voar muito à vontade, sem colidir com os objetos. A experiência, em vez de explicar a causa do "vôo cego" dos morcegos, serviu apenas para confundir Spallanzani. E o enigma permaneceu sem solução até 1941, quando dois cientistas americanos finalmente demonstraram que os morcegos se guiam por um sistema muito parecido com o dor radar.
O princípio do radar é simples: um emissor lança ao espaço um feixe de ondas eletromagnéticas. Estas, ao encontrarem um obstáculo (por exemplo um avião), são refletidas e retornam ao ponto de partida, onde um receptor as capta sob a forma de um sinal sonoro ou luminoso. Decifrando este sinal, fica-se sabendo da existência do avião e identifica-se a sua posição
(através do cálculo do tempo percorrido entre a emissão das ondas e a recepção do sinal refletido). Os morcegos fazem praticamente o mesmo: emitem com a laringe ondas sonoras de frequência altíssima. Essas ondas, ou ultra-sons, avançam até encontrar um obstáculo, que as reflete de volta ao morcego. Pela intensidade e direção da resposta captada pelos órgãos receptores do nariz e do ouvido, o animal localiza o objeto.
(através do cálculo do tempo percorrido entre a emissão das ondas e a recepção do sinal refletido). Os morcegos fazem praticamente o mesmo: emitem com a laringe ondas sonoras de frequência altíssima. Essas ondas, ou ultra-sons, avançam até encontrar um obstáculo, que as reflete de volta ao morcego. Pela intensidade e direção da resposta captada pelos órgãos receptores do nariz e do ouvido, o animal localiza o objeto.
Batman, "O Homem Morcego" ou "O Cavaleiro das Trevas", um dos personagens mais famosos e emblemáticos do universo D.C. Comics, eternizou a imagem do morcego como seu símbolo.
Fonte bibliográfica: Enciclopédia 'Novo Conhecer,' Vol. VI, págs. 1326, 1327 e 1328. Editora Abril Cultural, 1977.
Fotos: Internet
Fotos: Internet
















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